sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Quilombar por Claudia Rosalina Adão



A comunidade Rosário dos Homens Pretos se reúne, nesse primeiro domingo de novembro, em mais uma celebração, desta vez  para lembrar do mês da consciência negra e de Zumbi dos Palmares.
As pessoas que estão aqui, participantes dessa Comunidade, vivenciam a consciência negra todos os dias do ano, daí o risco de ser redundante e chover no molhado com esse texto, mas talvez pelo tempo que vivemos agora, seja importante falar de obviedades!
Vamos focar na palavra consciência. O que é ter consciência afinal?
Na definição do dicionário consciência é o "atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar a sua própria realidade, também é o cuidado pelo qual se cumpre um trabalho, um dever, senso de responsabilidade".
Podemos entender então que consciência é um dar-se conta de alguma coisa,conhecer,reconhecer,valorizar, saber o que existe.
No mês da consciência negra somos provocados a refletir sobre a contribuição dos negros para a construção do Brasil e o quanto esta contribuição ainda carece de valorização e reparação.
O povo negro com seus braços e sua cultura ajudou a formar este país,mas pouco desfruta e desfrutou do que ajudou a construir : em todos os indicadores sociais, é o segmento que está em maior desvantagem, são as principais vítimas da violência urbana, lideram o ranking dos que vivem em famílias consideradas pobres e dos que recebem os salários mais baixos do mercado, também estão entre os mais atingidos pelo desemprego, analfabetismo, defasagem e evasão escolar. O racismo estrutural, a concentração de poder e renda são elementos que ajudam a explicar tamanha desigualdade.
Tomar consciência disto não é meramente denunciar mas se comprometer com iniciativas que busquem a correção desta realidade.Vale lembrar a contribuição das entidades do movimento negro que ao cobrar políticas públicas para a população afro descendente, principalmente nas áreas de educação, saúde, meios de comunicação deu ainda mais visibilidade para este debate.
No início desse texto   eu disse que soava redundante falar de consciência negra para pessoas que a vivem todos os dias do ano . A retomada desta igreja, esta celebração, os encontros, reuniões e festejos realizados por esta comunidade são  exemplos de valorização da cultura negra e respeito à memória dos  nossos ancestrais.
Lembrar Zumbi neste espaço tem um significado ainda maior : Zumbi, líder do quilombo dos palmares foi o homem que materializou uma utopia, um lugar onde todas e todos, negros,brancos índios pudessem viver em liberdade,harmonia, partilhando o pão e partilhando a vida. Eu digo que ele materializou a utopia porque hoje ao celebrar o dia da consciência negra aqui na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, nós revivemos Palmares outra vez!
O quilombo pode acontecer aqui na missa do Rosário, mas também em manifestações na rua, em rodas de conversa com a sua família,  nos encontros com amigos e amigas; na sua atuação profissional, na cobrança por políticas de reparação, na sala de aula, na roda de samba, no terreiro, em qualquer lugar  exista gente disposta a lutar por justiça e um mundo melhor para todos e todas.
No entanto, você pode estar pensando... Destruíram Palmares e a nossa situação continua muito difícil, são tantos retrocessos,, poucos avanços, os indicadores sociais ainda demostram que mesmo após o término oficial da escravidão as injustiças permanecem. Desmantelamento das Políticas Públicas, manifestações explicitas de violência e racismo. Será que vale a pena lutar? Será que dá para mudar?
Pare agora,  por um minuto, olhe para o seu corpo, sinta a sua respiração. Pense em algum ancestral seu pode ser o pai, a mãe, os avós..... tente ir mais fundo... pense nos ancestrais deles....se entrar mais ainda  na sua imaginação, talvez você consiga visualizar as praias da Africa, os reinos, a terra de onde eles foram arrancados....porque aquele ancestral existiu e resistiu você de certa forma esta aqui hoje, com a oportunidade de escrever outra estória, nesse tempo, nessa terra, aqui , agora...um dia, você que também será ancestral, será lembrado pelos seus e deixará a sua contribuição.... Daí resistir não acaba sendo uma opção, mas uma condição de existência. 
O Pai Benedito tem uma frase bonita, ele diz que “Formigas juntas não morrem afogadas”, o que pode significar que não precisamos resistir sozinhos. Isso nos remete a pensar o quanto é necessário conhecer, reconhecer formas de atuação coletiva, para nos fortalecermos e termos folego para continuar resistindo e aprendendo. Juntos e juntas, não existe Rosário só de uma conta e nem quilombo só com 1 pessoa.
Alerta, Desperta, Cabeça erguida, mais do que nunca agora é tempo de quilombar!

Claudia Rosalina Adão


Celebração Afro brasileira - Especial Mês da Consciência Negra
Igreja do Rosário dos Homens Pretos da Penha de França
4/11/2018

Fotos: Douglas de Campos

Um comentário:

Anônimo disse...

Estava presente no dia da celebração e fiquei muito emocionada, hoje fazendo a leitura me emocionei novamente. Obrigada pela contribuição reflexiva e acolhedora .