sábado, 23 de fevereiro de 2019

Nasceeeeu! Por partos e nascimentos livres!

Cordão da Dona Micaela na Penha - 2018
Foto: Osmar Moura

Antigamente o parto era um evento estritamente feminino e caseiro, as mulheres tinham seus filhos em casa, eram acompanhadas por parteiras e apoiadas por outras mulheres de sua confiança. A partir dos anos quarenta, começou a crescer a tendência à hospitalização dos partos, sendo que no final do século passado mais de 90% destes, eram realizados em ambiente hospitalar. O desenvolvimento industrial presente no seculo XX, influenciou muitos setores da atividade humana, e a saúde, no que se refere ao cuidado, acabou incorporando a racionalidade mecanicista. Por conveniência das instituições e dos profissionais, cesáreas são agendadas como linha de produção, e o nascimento passou a ter características de bem de consumo, quem pode, paga por um bom atendimento, quem não pode, fica ao sabor da própria sorte. O atendimento despersonalizante, incorporados pelos profissionais ainda mesmo durante sua formação, corrobora para processos de desumanização e violências , com maiores repercussões na vida das mulheres negras.  
(RATTNER D; Humanização na atenção a nascimentos e partos: breve referencial teórico- Comunicação Saúde Educação v.13, supl.1, p.595-602, 2009)

Nos últimos anos é crescente no Brasil o movimento de humanização do parto, que busca trazer boas práticas para a assistência obstétrica, baseadas em evidências científicas e no direito a autonomia das mulheres sobre seus próprios corpos.
Dentre os dados alarmantes relacionados à partos e nascimentos em nosso país, está o elevado número de cesarianas (55,5% em 2016, quando o recomendado pela Organização Mundial da Saúde é entre 10% e 15% -Ministério da Saúde) e também as inúmeras violências obstétricas. A prática de empurrar a barriga da mulher para o bebê nascer é um procedimento contraindicado pelo Ministério da Saúde, chamado Kristeller, que pode causar sérios danos às mulheres e bebês. A episiotomia de rotina, que é o corte na vagina da mulher e a privação de movimentação durante o trabalho de parto são exemplos dessas violências.

Outra violência ainda muito silenciada e negligenciada em nossa realidade, que acontece com algumas mulheres neste momento tão importante de suas vidas é o racismo.
Cor e raça determinam o modo como uma mulher é tratada nos serviços de saúde - e em muitos outros espaços da nossa sociedade. Mulheres negras são as que mais morrem de hemorragia pós-parto, são as que tem um menor número de consultas pré-natal, levam maior tempo para serem atendidas, e sofrem mais com as violências obstétricas. Este é o racismo institucional e estrutural, exposto por pesquisadores como Jurema Wernek (UFRJ) e Luis Eduardo Batista (ABRASCO). 

Na grande celebração de cultura popular de nosso país, o carnaval, que também traz em si forte herança da negritude, o Cordão da Micaela tem a honra de homenagear uma parteira negra, mulher da comunidade, de saber ancestral, e que aqui representa tantas outras mulheres, exemplos vivos, mulheres bravas, as que vieram antes de nós e as que aqui estão, na linha de frente das batalhas diárias, promovendo cuidado, acolhimento, garantia e defesa nossas vidas e a potente liberdade de nossos corpos pretos. E que possamos assim, como sementes, multiplicar as narrativas de tantas benzedeiras, parteiras, rezadeiras que criaram e criam a história que nos trouxe até aqui.
 Trazemos importantes bandeiras em nosso estandarte: vidas negras importam, respeito aos corpos das mulheres, por nascimentos livres de violência, respeito à nossa ancestralidade, liberdade e direitos!  Salve Dona Micaela!

Cláudia, porta-estandarte do Cordão Dona Micaela
Foto Osmar Moura

Autoras: Gabriela Barbosa e Edi Cardoso

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